Bickel (1) e Nilsson (2): futebol na Copa antes e depois da II Guerra
Na publicação de hoje vamos dar um pequena pausa na série sobre a Liga dos Campeões para falar de um história bem bacana. Nesta semana eu estava lendo um livro bastante interessante chamado "Futebol é uma caixinha de surpresa" de Luís Fernando Bindi, geógrafo e jornalista que infelizmente nos deixou em 2008 e que editava a excelente página Distintivos.com.br, dedicada à pesquisa e divulgação de uma das mais completas coleções de escudos de times de futebol do mundo inteiro. Hoje o trabalho é tocado por sua esposa Eliana Bindi. Voltando ao livro, deparei-me em uma de suas páginas com um dado bastante interessante: a história de um jogador que jogou duas Copas do Mundo - uma antes e outra depois da II Guerra Mundial. O que me chamou atenção foi o fato de que eu apenas tinha conhecimento de outro atleta que tinha alcançado esse mesmo feito e eis que um novo nome surgiu. Para o autor, Alfred Bickel foi o único a conseguir essa façanha na história do futebol, mas aqui vou esclarecer que o jogador teve companhia nesse acontecimento, e essa companhia era sueca. Comecemos com Bickel.
Alfred "Fredy" Bickel foi um atacante que jogou toda sua vida no Grasshopper da Suíça. Era alemão de nascimento - no dia 12 de maio de 1918 em Eppstein no estado de Hesse -, mas era decendente de suíços e resolveu adotar as cores vermelha e branca do país para defender. Com os Gafanhotos Bickel atuou por longos 21 anos (1935 a 1956) e marcou 202 gols em 405 jogos. Nesse período conquistou 7 títulos nacionais e 9 copas. Por sua grande contribuição nas glórias do clube suíço é considerado um dos maiores jogadores que já vestiram a camisa azul e branca de Zürich.
Fredy Bickel estreou pelos Helvéticos em 1936 e dois anos depois era convocado para participar da Copa do Mundo. No Mundial "pré-guerra" da França marcou um gol contra a Alemanha nazista de Adolph Hitler na primeira fase na vitória por 4 a 2. Como curiosidade muitos austríacos faziam parte do selecionado germânico devido à anexação da Áustria ao território alemão. Com 20 anos já deixava seu registro na história das copas ao chegar com os suíços às quartas de final e serem derrotados pelos húngaros, futuros vice-campeões, por 2 a 0.
Porém, com o advento da II Guerra Mundial os mundiais deixaram de ser realizados entre 1938 e 1950. Neste período muitos países envolvidos no conflito bélico tiveram seus campeonatos de futebol paralisados por motivos óbvios. Entretanto, por ser um país historicamente neutro, a Suíça normalmente deu seguimento aos seus torneios nacionais e Bickel pode desfilar todo seu poder de fogo dentro da área para os torcedores. Doze anos depois de sua primeira Copa, o ex-atacante recebe novo chamado da seleção nacional para atuar na edição do Brasil. Com isso ele entraria para a história do futebol como um dos únicos jogadores a terem atuado num Mundial antes e depois da guerra. Além disso, detem o recorde de espaço entre um jogo e outro por uma seleção - 12 anos e 13 dias, justamente o período em que os suíços não puderam jogar devido aos combates na Europa. Na edição do Brasil em 1950 Bickel não marcou nenhum gol e ficou com seus companheiros helvéticos ainda na primeira fase da competição. Três anos depois foi eleito o desportista do ano em seu país.
Ao pendurar suas chuteiras tentou a carreira de treinador no próprio Grasshopper em duas oportunidades entre os anos 50 e 60, mas sem sucesso algum. Deixou definitivamente de atuar no futebol no ano 1964 e veio a falecer em 18 de agosto de 1999 aos 81 anos de idade.
O outro jogador que alcançou a mesma marca de Bickel foi o sueco o lateral-esquerdo Erik Nilsson, nascido na data de 06 de agosto de 1916 em Malmö. Ainda garoto ingressou nas categorias mirins do Limhamns IF (atualmente Idrottsförening Limhamn Bunkeflo 2007) da mesma cidade e lá permaneceu até 1933 quando suas boas atuações chamaram a atenção do maior time da região, o Malmö FF, onde assinou seu primeiro contrato profissional. Assim como o colega Bickel atuou pelo resto de sua carreira em um único time e com os Di blåe (azuis) permaneceu até 1953 quando se aposentou. Ao todo com o clube foram 326 jogos, 2 gols marcados e 11 títulos entre campeonatos e copas suecos e uma medalha de ouro olímpica.
Demonstrando muita categoria e segurança na defensiva do Malmö foi convocado pela primeira vez para a seleção sueca em 1938, ano da realização da Copa do Mundo na França conforme já dito. Nilsson foi peça importante para o surpreendente 4º lugar dos nórdicos. A Suécia, assim como a Suíça, se portou durante a II Guerra com neutralidade, daí a Allsvenskan, o Campeonato Sueco, não ter sido interrompido durante o confronto entre a Tríplice Aliança e as forças do Eixo. Dessa forma Erik Nilsson teve bastante tempo para mostrar seu valor na defesa de sua equipe. Tanto que em 1948 fez parte da maior conquista internacional da história do futebol sueco - a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Londres. Tal feito fez com que em 1950, mesmo com 34 anos, foi lembrado pelo treinador Joszef Nagy para o Mundial daquele ano em solo brasileiro. Sua participação outra vez foi vital para colocar os suecos em um honroso 3º posto no torneio. Assim como o suíço, deixava seu nome nos registros históricos dos mundiais por ter atuado no torneio antes e depois da guerra. Além disso, neste mesmo ano era eleito Guldbollen, ou seja, o melhor jogador sueco da temporada.
Dois anos mais tarde ainda teve fôlego para ajudar seu país a levar para casa mais uma medalha olímpica, desta vez de bronze em Helsinque. Depois dos Jogos Nilsson disse adeus à seleção com 57 atuações e nenhum gol feito. E uma temporada mais tarde, aos 37 anos, abandonava o futebol depois de quase duas décadas dedicadas ao clube do sul da Suécia. Viveu o resto de sua vida longe do futebol, apenas torcendo pelo seu clube de coração que defendeu por tantos anos. Em 09 de setembro de 1995 morreu aos 79 anos e por toda sua contribuição ao futebol de seu país em quase 20 anos de atuação, recebeu uma homenagem póstuma com o seu nome incluído no Hall da Fama como um dos maiores futebolistas suecos de todos os tempos em 2003.
Abaixo, dados e estatísticas dos dois jogadores que mostraram que o esporte resiste ao tempo, mesmo durante uma guerra.
ALFRED "FREDY" BICKEL
* Nascimento: 12 de maio de 1918 em Eppstein/ALE
* Posição: atacante
* Clube como jogador (1): Grasshopper/SUI (1935 a 1956)
* Títulos como jogador (16): Campeonato Suíço (1936/37, 1938/39, 1941/42, 1942/43, 1944/45, 1951/52 e 1955/56) e Copa da Suíça (1937, 1938, 1940, 1941, 1942, 1943, 1946, 1952 e 1956)
* Clube como treinador (1): Grasshopper/SUI (1958 a 1960 e 1963 a 1964)
* Títulos como treinador: nenhum
* Seleção sueca: 71 jogos e 15 gols entre 1936 e 1954
* Honra pessoal: Desportista suíço do ano (1953)
ERIK NILSSON
* Nascimento: 06 de agosto de 1916 em Malmö/SUE
* Posição: lateral-esquerdo
* Clube (1): Malmö FF/SUE (1934 a 1953)
* Títulos (11): Campeonato Sueco (1943/44, 1948/49, 1949/50, 1950/51 e 1952/53), Copa da Suécia (1944, 1946, 1947, 1951 e 1953) e Medalha de Ouro Olímpica (1948)
* Seleção sueca: 57 jogos e nenhum gol entre 1938 e 1952
* Honras pessoais: Melhor jogador sueco (1950), Medalha de Bronze Olímpica (1952) e Hall da Fama SFS (2003)
Foto 1: Blich
Foto 2: Aftonbladet Arkiv
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