sábado, 26 de julho de 2014

FUTEBOL NA GUERRA


Em tempo de Guerra o futebol teve vez até no front




Pegando o gancho do post anterior sobre centenário, em 2014 também marca um século do início da I Guerra Mundial, conflito sangrento ocorrido principalmente na Europa e que deixou um saldo de milhões e milhões de mortos entre soldados, civis e até animais. 

De um lado os "Aliados", compostos por França, Grã-Bretanha, Rússia, Bélgica, Sérvia, Itália (começou o embate como adversária, mas se aliou em 1915) e Estados Unidos; do outro, Alemanha, Áustria-Hungria, Império Otomano e Bulgária formavam as "Potências Centrais". O confronto bélico se iniciou em 1914 e só veio ter fim em 1918 com a derrota das Potências, a queda dos otomanos e a consequente assinatura do Tratado de Versailles por parte dos alemães em 1919.

Contudo, mesmo em tempos de guerra o futebol continuava a ser praticado - não só nos países com seus campeonatos locais, mas também no campo de batalha. Foram vários relatos, documentos, registros fotográficos e livros tratando do assunto, quando soldados aproveitavam os breves momentos de descanso e/ou cessar fogo não-oficiais para se divertirem com a bola nos pés.

O cartaz acima foi uma motivação para os jovens ingleses ingressarem no front, visto a declaração do jornal germânico "Frankfurter Zeitung" de que os britânicos "não eram de nada". Já a foto é de 25 de dezembro de 1915, num campo próximo à Salonika na Grécia, numa das chamadas "Tréguas de Natal", em que soldados de ambos os lados faziam um cessar fogo para celebrarem os festejos de fim de ano.

O 17º Regimento de Middlesex ficou conhecido como o "Batalhão do Futebol" ou "The Extremers" ("Os Extemados") devido à maioria de seus componentes serem à época jogadores de futebol. Tal ideia partiu de William Joynson-Hicks, membro do Parlamento britânico. O objetivo principal era despertar o nacionalismo através do futebol. Dirigentes dos clubes e árbitros também se alistaram.

O grupo teve como um de seus líderes o escocês Richard McFadden, atacante do Clapton Orient (hoje Leyton Orient) que entre 1911 e 1915 era o ídolo maior do clube e seu maior artilheiro. O jogador morreu durante os confrontos e hoje é reverenciado pelos torcedores do modesto time inglês ao lado de dois colegas de equipe também mortos na guerra, William Jonas e George Scott.

Os jogos nos terrenos castigados pela guerra muitas vezes eram à base do improviso: bolas feitas de lata, entulhos diversos e arames; as traves muitas vezes eram apenas as botas dos soldados alinhadas e os combatentes corriam atrás da vitória mesmo com seus pesados uniformes. 


Ingleses e alemães rivalizavam também nas peladas durante a guerra



O ex-combatente Ernie Williams, em uma entrevista à rede BBC inglesa há alguns anos, recordou uma das partidas mais famosas da época. "Uma bola foi lançada do lado dos alemães e, em poucos instantes, vários soldados começaram a jogar. Havia umas 200 pessoas e todas pareciam estar se divertindo. Ninguém com más intenções entre nós e não havia juiz, nem placar". 

Vários jogadores britânicos, que inclusive atuavam por suas seleções, estiveram no "Batalhão do Futebol" durante as batalhas de Deville Wood e Guillemont  - essas duas na Batalha do Somme - e na Batalha de Arras em 1917. Nomes como o do já citado escocês McFadden, do zagueiro Frank Buckley (Bardford City e Inglaterra), do meiocampista Lyndon Sandoe (Cardiff City e País de Gales) e todo o time do Hearts of Midlothian da Escócia engrossaram as fileiras nas trincheiras da I Guerra Mundial.


Exeter City de 1914: sete dos jogadores que enfrentaram o Brasil foram à guerra



Na postagem anterior  relembramos os 100 anos de história da Seleção Brasileira de futebol. E em sua primeira partida o adversário foi o inglês Exeter City, com vitória brasileira por 2 a 0 no campo da Rua Guanabara, atual Laranjeiras, no Rio de Janeiro. A I Guerra estava em seu começo no dia 21 de julho daquele ano, mas devido às dificuldades de comunicação da época os britânicos ainda não tinham conhecimento do conflito - só ficaram sabendo quando estavam retornando à Europa a bordo do navio Alcântara.

Relatos de alguns dos jogadores deram conta de que com o navio portando uma bandeira inglesa em seu mastro houve o temor da embarcação ser atacada pelas forças inimigas. Porém, felizmente a viagem foi realizada sem transtornos e os únicos tiros ouvidos foram de navios franceses como advertência para o confronto durante a passagem pelo Canal da Mancha.

Aidan Hamilton, autor do livro "Have you ever played Brazil? - The story of Exeter City's 1914 tour to South America" ("Você já jogou contra o Brasil? - A história da turnê de 1914 do Exeter City pela América do Sul", inédito no Brasil), relata que 7 dos 11 jogadores que entraram em campo no histórico jogo contra os brasileiros foram convocados para a guerra: o goleiro Reg Loram, o médio e capitão do time Jimmy Rigby, os zagueiros Jack Fort e Sammy Strettle, e os atacantes Charlie Pratt, Billy Lovett, Fred Goodwin e Fred Whittaker - estes dois últimos integrando o "Batalhão do Futebol". Ainda segundo Hamilton, Goodwin sofreu sérios ferimentos nos confrontos e jamais voltou a atuar. 

Afora estes citados, quatro atletas dos quadros do clube inglês que não estiveram presentes na excursão ao continente americano, também se alistaram: William Kirby, Arthur Evans, Fred Hunt e Kadie White - todos mortos no conflito.


Todo o time do Hearts, da Escócia, participou da I Guerra




O alistamento militar na Grã-Bretanha não era obrigatório até 1916, por isso o governo teve que apelar para o nacionalismo aliado ao futebol, já que era a principal prática esportiva da ilha europeia naquele tempo. Atraídos por esse chamamento patriótico, todos os jogadores do escocês Hearts alistou-se em 1914 no "Batalhão do Futebol" para os combates contra os alemães e seus aliados.

O galês Bertie Felstead, outro ex-combatente da I Guerra, registrou em um relato encontrado após sua sua morte em 2001 que "não era um jogo propriamente dito, eram todos contra todos em que chutávamos a bola sem objetivo. Poderia haver uns 50 de cada lado, eu acho. Eu joguei porque realmente gostava de futebol. Não sei quanto tempo durou. Provavelmente uma meia hora, e ninguém estava contando o placar". 

Ou seja, o futebol serviu como instrumento de integração e paz entre as forças rivais, tal qual como aconteceu em fevereiro de 1969, quando o Santos de Pelé fez uma excursão pela África. Na ocasião o time paulista conseguiu que o Zaire (atual República Democrática do Congo), que vivia um grande conflito interno entre blocos étnicos e políticos, vivesse um dia de cessar fogo para que a população pudesse acompanhar o maior jogador do planeta e seus companheiros em campo.

O "Batalhão do Futebol" foi desmobilizado em 1918, ano do fim da guerra, e contabilizou várias perdas para o esporte britânico. Em 2010 foi erguido o memorial para o 17º Regimento de Middlesex na cidade francesa de Longueval, no norte do país. Placas de granito com nomes dos atletas/combatentes mortos encontram-se no local para que os fãs de diversos clubes possam prestar homenagens aos seus heróis das batalhas nos campos de futebol e de guerra.




Cartaz: Johnson, Riddle & Co., Ltd., de Londres/ING
Foto 1: Getty Images
Foto 2: Chester Chronicle
Fotos 3 e 4: Autor desconhecido

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