segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A PRIMEIRA ESTRELA


Com o início da prática do futebol se difundindo mundo a fora, começaram a surgir naturalmente os grandes craques de bola - aqueles que entortavam os adversários com seus dribles estoneantes ou anteviam o jogo de uma forma diferente dos demais. Porém, esses grandes jogadores ficavam restritos às suas regiões, até mesmo pela pouca prática do esporte até então e a enorme dificuldade à época de intercâmbio e de comunicação entre as nações.

O primeiro jogador a romper as barreiras de seu país e a encantar o mundo com sua impressionante genialidade com a bola nos pés poderia até ser um inglês - os inventores do futebol. Mas coube a um austríaco essa honra dada ao público boleiro - Matthias Sindelar.

Sindelar, nascido em 10 de fevereiro de 1903, na verdade era tcheco, mas teve que deixar sua cidade natal - Kozlov - com seus pais para Viena, capital do então Império Austro-Húngaro, ainda muito jovem devido às grandes dificuldades pelas quais passavam na antiga Tchecoslováquia.

O futuro craque cresceu na cidade de Favoriten, um subúrbio industrial da capital repleto de fábricas de materiais de construção, onde seu pai trabalhava. Em terrenos baldios, com bolas de meia e trapos, Sindelar ensaiou os primeiros dribles que, mais tarde, resultariam em um estilo apurado, cerebral, marcado por jogadas imprevisíveis e gols de rara beleza.

Seu pai faleceu na Primeira Guerra Mundial, em 1917, fato que tornou o pequeno garoto em um adulto precoce. Já aos 14 anos, Sindelar cuidava da família e, paralelamente à atividade de mecânico, jogava futebol no time de meninos do Hertha, de Viena. Permaneceu no clube de 1918 até 1924, quando se transferiu para o poderoso Áustria Viena - clube que viria a defender até o fim de sua carreira. Entretanto o início de sua trajetória no clube não foi fácil: devido à sua fragilidade física gerou muita desconfiança por parte de todo o plantel e, ainda na primeira temporada, sofreu uma grave lesão de meniscos. Submetido a uma operação inédita na época, o atacante se recuperou em poucos meses, surpreendendo a todos.

Após o retorno aos campos não tardou para que seu sucesso fosse estrondoso. Encantou tanto pela leveza de suas jogadas precisas e por sua incrível agilidade com a bola - e pelo seu corpo franzino -, que ficou conhecido como Der Papierene (feito de papel em alemão). Dono de um estilo clássico e inteligente, era um centroavante rápido, extremamente difícil de marcar e exímio goleador. Não demorou muito para vestir a camisa da seleção austríaca pela primeira vez: em 1926, aos 23 anos, foi chamado para a equipe nacional. Os austríacos encantaram o mundo do futebol na primeira metade da década de 30. Os comandantes do time, Jimmy Hogan e Hugo Meisl, montaram a estratégia da equipe, que viria a ser liderada, obviamente, pelo brilhante Matthias Sindelar.

Logo em sua estréia pelo selecionado austríaco marcou dois gols na vitória por 7 a 1 sobre a Suíça. Era o início de uma era de partidas memoráveis, como a goleada de 5 a 0 sobre a Escócia, em 16 de maio de 1931, que deu origem ao termo Wunderteam (time maravilhoso). Sob o comando do técnico Hugo Meisl, considerado o pai do futebol austríaco, Sindelar, Schall, Vogl e seus companheiros apresentaram ao mundo um estilo inconfundível e arrasador de jogar futebol, em que trocavam passes até o adversário abrir espaços para uma investida fulminante ao gol.

De 1931 a 1933, com o mundo divido em blocos e sob nova fase de tensão, desencadeada pela crise de 1929, o Wunderteam disputou 16 jogos, anotou 63 gols e sofreu 20. Foram 12 vitórias, todas com momentos históricos, como o 6 a 0 na Alemanha, em plena Berlim, e um 8 a 2 na Hungria, em Viena; houve dois empates e duas derrotas - uma para os tchecos, por 2 a 1; outra para a Inglaterra, em Wembley, por 4 a 3, lembrada até hoje por um gol antológico de Sindelar.

Porém, o pior estava por vir: em fevereiro de 1934, um golpe militar instalou uma ditadura fascista na Áustria e mergulhou o país no caos econômico. O campeonato nacional terminou quase que simultaneamente ao início da Copa do Mundo da Itália, a única na qual Der Papierene participou. A seleção austríaca, então considerada uma das melhores do mundo, apesar do favoritismo, viajou esgotada - física e emocionalmente. Após vencer a França (3 a 2, um gol de Sindelar) e a Hungria (2 a 1), a Áustria chegou à semifinal contra a Itália. Machucado, Sindelar não evitou a derrota por 1 a 0.

Motzl, como era carinhosamente chamado pela torcida, continuou atuando de forma impecável até o ano de 1938, quando a carreira do já proclamando maior jogador da época começou a ruir com a anexação da Áustria à Alemanha. Fiel às suas convicções políticas, Matthias Sindelar se negou a defender o time do ditador alemão Adolf Hitler. Ficou marcado como opositor do regime e foi perseguido pelas tropas alemãs. No jogo comemorativo pela unificação, perdeu chances de propósito até marcar, no segundo tempo, um dos gols da vitória por 2 a 0 do Ostmark (Áustria), sobre o Altreich (Alemanha). A atitude foi encarada como um desafio ao Terceiro Reich. Em 23 de janeiro de 1939, Sindelar se suicidou em um quarto de hotel com a amiga italiana Camila Castagnola. Ambos envenenaram-se com monóxido de carbono. Muito provavelmente desgastado e triste com os acontecimentos, pela pressão exercida e pela perseguição nazista.

Cerca de 40.000 pessoas compareceram ao funeral sob os olhares de tropas nazistas, enquanto o Áustria Viena recebeu 15 mil telegramas de condolências. O nome de Matthias Sindelar, ou Mozart do Futebol para os admiradores, está gravado na história do futebol como o primeiro nome a surgir de forma avassaladora no esporte e sua atitude contra o Nazismo virou um exemplo de coragem. Em dezembro de 1998, 60 anos depois de sua morte, foi eleito o atleta austríaco do século 20.


Foto: aon.at

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