sábado, 6 de outubro de 2007

O GALOPE DOS CAVALOS VERMELHOS



Após debatermos um pouco sobre o que aconteceu nos primórdios do futebol, este blog também dedicará espaço para nações cuja prática esportiva dentro das quatro linhas ainda é escassa. Por isso mesmo não deixam de ser curiosidades do mundo da bola.

Imagine um país de grandes proporções (19º maior em território no mundo), mas com uma pequena população (3 milhões de pessoas), cujo maior feito esportivo foi na distante Olimpíada de 1968, na Cidade do México, com uma medalha de prata na luta greco-romana. Um território praticamente inóspito, tomado por muitos desertos e onde as principais fontes de renda vêm da agricultura de subsistência e da pecuária. Será que alguém poderia imaginar que a prática do futebol pode ter sido difundida num lugar como esse?

Pois a resposta é sim. A paixão pelo futebol consegue atingir os mais isolados rincões do planeta da mesma forma - no caso a Mongólia.

Todo ano na Mongólia ocorre um festival, o Naadam, que reúne os principais esportes praticados no país: o arco-e-flecha, corrida de cavalos e uma espécie de luta greco-romana local, o Khuresh, criada pelo lendário guerreiro Gengis Khan. Na cultura e folclore mongóis, inclusive, dizem que ser bom arqueiro, cavaleiro e lutador faz do homem uma pessoa completa.

Num país em que o futebol ainda engatinha, apenas nas escolas primárias mais afastadas da capital, Ulan Bator, o esporte faz parte do currículo escolar e todas as crianças o praticam. Como acontece em muitos países recém-aficcionados pelo futebol, ele é mais praticado pelas crianças do sexo feminino, que são proibidas de disputar os esportes mais populares do país, apesar de muitas mulheres mongóis se destacarem no tiro esportivo, como Munkhbayar Dorjsuren, hoje competindo pela Alemanha.

A Federação de Futebol da Mongólia foi fundada em 1959 e apenas filiou-se à FIFA em 1998. Porém, a seleção mongolesa nunca obteve resultados expressivos nem mesmo em âmbito continental, onde jamais alcançou qualquer coisa digna de nota. Para se ter uma idéia da escassez de bons resultados as quatro únicas vitórias da seleção mongol aconteceram contra um mesmo adversário, a fraquíssima Guam, última colocada no ranking de seleções da FIFA. Apesar dos 48 anos de existência, o selecionado nacional entre 1960 e 1998 não disputou uma única partida sequer basicamente por três razões: a falta de um time que pudesse minimamente fazer frente a qualquer outro, de investimento, e, mais gravemente, por problemas climáticos.

Como a Mongólia está localizada no centro-norte da Ásia, à beira da cordilheira de Altay, o clima local é bastante inóspito, com temperaturas que variam do extremamente quente no verão, com médias de 42°C, e gélido no inverno, com médias de -10°C, além de eventos climáticos que envolvem pequenos tornados e tempestades de areia.

Devido a isso tudo a prática do futebol na Mongólia é rara. Tamanha dificuldade faz com que o uso do Estádio Nacional de Ulan Bator, e de outros de grandes cidades como Darhan, Erdenet, Tchoïbalsan e Baganoor fosse mínimo, ao ponto da federação mongol solicitar apoio ao programa GOAL, da FIFA - programa de apoio financeiro às nações futebolisticamente subdesenvolvidas -, com o objetivo de adquirir estrutura para a prática futebolística e de construir instalações esportivas cobertas e climatizadas, a fim de favorecer o surgimento de atletas de qualidade.

Logicamente o surgimento de craques no país está muito longe de acontecer. Alguns poucos nomes, como o do atacante Ganbaatar Tögsbayar, de 22 anos, que joga no Khoromkhon, parecem estar um pouco além do nível do futebol local, mas ainda muito aquém do mercado exterior. Tögsbayar, por sinal, é o maior artilheiro da história da seleção mongolesa, com apenas essa idade. Sinal de como o esporte por lá ainda é algo a ser bastante desenvolvido. Outro nome que poderia ter uma sorte melhor é o do experiente goleiro Jargalsaikhan Enkhbayar, de 30 anos, do Khangarid. O arqueiro é titular da meta nacional desde 1997 e chegou a fazer testes em alguns times chineses, mas não saiu de seu país.

No mesmo ano da estréia de Enkhbayar, chegou aos Cavalos Vermelhos (apelido da seleção devido ao seu uniforme totalmente vermelho) o técnico Ishdorj Otogonbayar, um ex-jogador local que se formou em futebol em Kiev, na Ucrânia, e que havia sido várias vezes campeão pelo Erchim, o time da Companhia de Energia Elétrica da Mongólia. Otogonbayar é considerado o principal responsável pela evolução, mesmo que ínfima, da equipe nacional, que, se não obtém vitórias, pelo menos motiva a torcida e os jovens a praticarem o futebol. Além disso, o treinador foi o comandante do time na histórica vitória sobre Guam, em fevereiro de 2003, a primeira da Mongólia - como já citado. Mas enquanto outra vitória sobre Guam (essa, de goleada por 5 a 2, em 25 de junho de 2006) é considerada pela imprensa local como o ápice da história futebolística mongol, eles sempre se lembrarão da derrota diante do Uzbequistão por 15 a 0 em 1998, o pior "refugo" da história dos Cavalos Vermelhos.

Os clubes da Mongólia, assim como a prática do futebol, são poucos. Os times dependem de universidades - casos do Zmchin, do Zamin Uud e do Ulaanbaatar University - ou de empresas, como o Khasin Khultood, que é o time do Banco Nacional. Há também o Baganoor, que é o clube do sindicato de trabalhadores rurais e o Selenge Press, mantido pelos jornais do país. A liga nacional é organizada desde 1974 e atualmente é disputada por 12 times divididos em quatro grupos de três, de onde saem oito equipes que se enfrentam em eliminatórias até a final. Traços da época comunista ainda povoam as agremiações, que eram financiadas pela antiga União Soviética.

Juntando-se a todas essas dificuldades está a falta de bagagem internacional das equipes. Nenhum clube do futebol mongol sequer participou de uma única competição fora de seu país. O Khasin Khultood, campeão nacional do ano passado, tinha pretensões de participar da Presidents Cup - um torneio continental que reúne clubes do baixo escalão da Ásia (tipo uma Recopa Européia) -, mas faltou verba para as viagens internacionais.

Este é o retrato do futebol da Mongólia. Um país pobre, de poucos recursos, mas que sonha um dia poder galopar e dar saltos mais distantes no desenvolvimento do esporte paixão mundial.

Imagem: arquivo pessoal

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