sexta-feira, 28 de outubro de 2011

PALAVRAS DIFÍCEIS PARA O ADEUS AO "PALAVRA FÁCIL"



Luiz Mendes: Luto na crônica esportiva brasileira




O esporte brasileiro, principalmente o futebol, está de luto. Faleceu nesta quinta-feira, dia 27, no Rio de Janeiro/RJ um dos ícones do rádio esportivo brasileiro: Luiz Mendes. Mendes dedicou 7 décadas de sua vida à crônica esportiva chegando a cobrir 16 Copas do Mundo, sendo 13 deles no local do evento. Aos 87 anos deixou órfãos todos que acompanham o meio esportivo, sejam profissionais da área ou não, e com sua gentileza, sabedoria e, acima de tudo, amor à profissão deixará uma grande lacuna.


Luiz Pineda Mendes nasceu no dia 09 de junho de 1924 em Palmeira das Missões no interior do Rio Grande do Sul. Filho do defensor público Joaquim Mendes logo descobriu seu gosto pelas ondas do rádio, mas tinha em seu pai uma grande resistência ao fato. Em 1939, aos 15 anos, a despeito do desejo paterno de ver o filho advogado, empregou-se em Ijuí, para onde sua família havia se mudado, como locutor de um sistema de alto-falantes há pouco instalado na praça principal da cidade. Pouco tempo depois já levava o brilho de sua voz à Rádio Missioneira de Santo Ângelo e, logo após, para a Farroupilha de Porto Alegre.

Em dezembro de 1944 chega ao Rio de Janeiro após problemas de ordem profissional na rádio gaúcha para tentar trabalhar na nova estação que estava para ser inaugurada na cidade, a Rádio Globo, emissora que marcaria definitivamente a excepcional carreira de Mendes. Contou o comentarista que ao chegar junto a Rubens Amaral, um dos diretores da então futura emissora, pediu emprego de locutor, e este perguntou e Luiz Mendes se tinha alguma experiência com rádio. O candidato a locutor então mostrou a carteira de registro da Rádio Farroupilha e recebeu como resposta do diretor um “se você é locutor da Farroupilha pode ser da Globo, apresente-se amanhã para começarmos os trabalhos”. E assim Luiz Mendes começou a trilhar sua riquíssima história nas ondas do rádio brasileiro, primeiro como apresentador do programa “A hora da ginástica”, depois como locutor comercial.

A partir de então passou a conviver com craques do passado tanto da crônica como do futebol: Oduvaldo Cozzi (o “locutor lírico”), Jorge Curi, Antônio Cordeiro, Waldir Amaral, etc. e nos gramados com Ademir de Menezes, Leônidas da Silva, Heleno de Freitas, Zizinho, Danilo Alvim, entre tantos outros. Waldir Amaral, inclusive, foi o autor de sua alcunha “o comentarista da palavra fácil” que vingou e transformou-se no emblema maior de Luiz Mendes por toda sua carreira. Esteve presente como locutor na fatídica final da Copa do Mundo de 1950 no estádio do Maracanã e a sua narração do segundo gol do Uruguai – de Gigghia – foi emblemática e ficou marcada por falar a expressão “Gol do Uruguai” várias vezes seguidamente, sendo todas elas com diferentes entonações e inflexões – todas igualmente atônitas. Clique e ouça aqui a histórica locução do Maracanazzo na voz de Luiz Mendes.

Com o passar dos anos, dotado de uma memória e de uma percepção de jogo fora do comum, passou a comentar as partidas com igual brilho. Na década de 60 comandou a primeira mesa redonda da história da TV: a Grande Resenha Facit nas TV’s Rio e Globo ao lado de outras feras como João Saldanha, Armando Nogueira, Nélson Rodrigues, José Maria Scassa, Hans Henningsen, Vitorino Vieira e o ex-jogador Ademir de Menezes para discutirem a rodada dos clubes cariocas. Além disso, o mestre da crônica esportiva novamente fez história ao participar da primeira transmissão em cores da história da TV do Rio de Janeiro, ocorrida em 1972.

Mendes chegou a passar alguns anos fora da Rádio Globo que ajudou a fundar em 1944, já que integrou as equipes das Rádios Nacional e Tupi, mas voltou à emissora que considerava seu lar e sua mãe para se juntar novamente à equipe de esportes. Participava das jornadas esportivas e de programas de notícias e debates como “Panorama Esportivo”, “Enquanto a bola não rola” e “Globo Esportivo”. Por conta de sua incrível memória comandava quadros dentro da programação que tinham como assuntos a história e os “causos” do futebol. Começou a sofrer com a diabetes e com uma leucemia linfocítica crônica, que lhe causaram diversos problemas de locomoção. Mas mesmo assim demonstrava sempre muita vontade e vigor em trabalhar em seu ofício que tão bem sabia realizar e com uma paixão que o fazia parecer um aprendiz em seu primeiro dia de trabalho. A Rádio Globo então montou um estúdio especial em seu apartamento, no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro, para poder contar sempre com a importante participação do “Palavra Fácil”.

Luiz Mendes tinha como bordão o famoso “Minha gente”, que usava sempre para saudar os ouvintes quando iniciava sua participação nas locuções e nos programas. Era dono de uma simplicidade e de uma atenção sem precedentes para com todos que o procuravam. Ao ponto de abrir as portas de sua casa para receber jornalistas e estudantes de comunicação com todo o carinho e respeito que eles mereciam. Vários dos grandes ícones atuais do rádio e TV brasileiros tiveram algum tipo de ajuda ou influência do mestre. Infelizmente – opinião minha – hoje em dia poucos são aqueles comunicadores que conseguem dar atenção ao público como era a característica de Luiz Mendes. Alguns simplesmente ignoram as mensagens via redes sociais, e-mails ou algum outro tipo de contato. Outros até respondem, mas de forma bem diferente de como era o “comentarista da palavra fácil”. Esses mesmos jornalistas que em boa parte participam de “mesas redondas”, cujo pontapé inicial para o formato desse tipo de programa foi dado pelo radialista gaúcho na década de 60, como já citado com a Grande Resenha Facit – e se estão lá muito devem a esse cronista tão educado e gentil com seu público. O próprio Mendes, sábio como de costume, sempre considerou seu público como o motivo principal de seu êxito, declarando que “era muito feliz, pois respeitava os ouvintes e os considerava a mola propulsora do sucesso de um profissional da crônica”. Coberto de razão.

Na vida pessoal Luiz Mendes era casado com a atriz e radialista Dayse Lúcide há mais de 60 anos. Conheceram-se nos bastidores da Rádio Globo e tiveram um filho, 3 netos e 2 bisnetos.

Nos últimos meses seu estado de saúde foi se agravando e desde 18 de outubro Luiz Mendes estava internado no CTI do Hospital São Luís na capital carioca, onde veio a falecer na manhã desta quinta-feira, deixando um espaço vazio e uma imensa tristeza para o meio desportivo brasileiro.

As palavras ficaram difíceis nesse dia com a perda do “Palavra Fácil”. Eu, editor deste blog, que tanto aprecio a história do futebol, não poderia deixar de ter em Luiz Mendes, a maior enciclopédia do futebol, um espelho, um caminho a seguir, uma inspiração. Nasci e cresci em Maceió/AL e cheguei à capital potiguar em 1993 ouvindo e aprendendo a admirar Luiz Mendes por tudo o que ele representou – e ainda representa – para esse veículo que tanto fascina não só a mim, mas a milhões de pessoas no Brasil e no mundo. Posso dizer com toda certeza que essa minha paixão pelo rádio tem um pouco da história do mestre da crônica esportiva. Calou-se a voz do “Palavra Fácil”, mas seu legado de gentileza, profissionalismo e sabedoria será voz sempre presente para todos os que ouvem e trabalham na comunicação esportiva.



“Eu estive no início da estrada, no ponto de partida. E ainda estou, sabendo que a estrada é muito longa e tendo a certeza que não a percorrerei toda. Mas como eu creio na eternidade, estarei também. Não no fim da estrada, porque esta é uma estrada sem fim. “ (Luiz Mendes. 1924 – 2011)




Foto 1: ABI
Foto 2: UOL Esportes

Nenhum comentário: